Eu e as oficinas de escrita criativa

king

Depois que consideramos pronta a primeira versão de um conto ou de um romance, começa um novo desespero: quem vai ler? Quem vai querer ler? Alguém vai se interessar em ler? Faz parte da vida do escritor iniciante.

Os que já estão pelo meio da estrada do mercado editorial podem contar com um editor, um agente ou amigos escritores experientes para leitores críticos. Não é esse o caso da maior parte daqueles que ainda aguardam o ônibus no terminal rodoviário da literatura brasileira. Sem o dinheiro da passagem.

Claro, tem os parentes, o cônjuge, amigos dedicados, mas dificilmente serão leituras críticas. Chamo de críticos aqueles que vão perceber deslizes, problemas, incoerências e não vão deixar a gente passar pelo ridículo de mostrar aquilo a alguém menos amoroso.

É em busca dessa leitura crítica que eu gosto de oficinas de escrita criativa. É menos para escrever e mais para ler e ser lida. A velha carência do escritor. Isso mesmo. Nas oficinas que fiz, ouvi críticas assertivas e não mera opinião. E descobri coisas fundamentais para ler.

Sobre a escrita, do Stephen King, me fez pensar muito nesses cursos. King não aprova, mas também não desaprova por completo. Temos que considerar que o mercado editorial americano nem se compara ao nosso. Não fazia ideia que existiam publicações por lá com a lista de contatos de agentes interessados em representar um autor. Há uma verdadeira indústria de cursos para escritores. Revistas pagam por contos (ou pelo menos pagavam).

Tem gente que vende fórmulas mágicas? Tem. Tem aqueles que garantem sucesso? Tem também. Tem curso que promete até a remissão de todos os pecados? Claro que tem. Não estamos falando desses.

Reconheci minha motivação para fazer oficinas, não pela opinião de King sobre oficinas de escrita, mas sobre o que ele diz da importância de um leitor ideal, da importância de “reescrever com a porta aberta”. A leitora ideal de King é Tabitha King, que também é escritora (e esposa). Ele reescreve os textos depois dos comentários que ela faz da primeira versão. É quando a porta se abre “e a luz do mundo recai sobre o escritório” e sobre o texto. Ela é bastante crítica.

Concordo que quando escrevemos, fechamos a porta e contamos uma história para nós mesmos. Se não queremos ser o único leitor do nosso livro é preciso “abrir a porta” para leitores ideais e confiáveis, que não vão nos deixar passar vexame (#oremos). É cada merda que sai na primeira versão.

Encontrei esses bons leitores nas oficinas de escrita criativa. Vocês podem dizer que eu tive sorte. Eu tive mesmo. Gosto desse lugar onde eu encontro pessoas que se interessam por literatura, que falam de livros que eu nunca ouvi falar, contam outras histórias e, principalmente, criticam o meu texto. É bom pra aprender até o que considerar e o que desconsiderar da opinião do outro. Não estamos livres de pessoas chatas e medíocres, infelizmente.

Quando me mudei para São Paulo, em 2013, já estava certa do desejo de ficção. Só a ficção poderia dizer e não dizer certas coisas. Tinha uns oito contos na gaveta, anotações e um romance rabiscado. Ainda em Belém, descobri a existência de cursos e oficinas de escrita criativa que rolavam na nova cidade destinoEu nem sabia que cursos para escritores chamavam assim.

Na bagagem eu já levei a inscrição para uma oficina com o escritor André de Leones. Todos os sábados de manhã, na Vila Mariana. Conheci ali bons amigos que permanecem até hoje. Nada de exercícios, dever de casa ou qualquer outra coisa do gênero. Se houve, não lembro. Confesso que eu escrevo menos quando estou em oficinas. Não gosto de exercícios, mas vou fazendo o que me calha.

Os encontros eram cheios de conversas sobre o que queríamos contar e como queríamos contar. Uma troca imensa de referências, dicas, indicações de leitura, ideias e leituras dos nossos próprios textos. Dava uma gana de escrever.

O André já estava indo pro seu quinto livro, Terra de casas vazias, pela Rocco, (está para lançar o sétimo, se não me engano) e compartilhou experiências do “mundo literário” muito importantes para estancar muitas das minhas ingenuidades. Benza Deus! A leitura acurada e esmiuçada que o André fez dos originais de O passado é lugar estrangeiro, meu livro de estreia que saiu ano passado pela Editora Patuá, foram decisivos para o bem da narrativa. Devo um agradecimento especial a ele[1].

Também já embarquei nos Submarinos do Ronaldo Bressane, onde tem muita gente boa produzindo literatura e um formato ótimo com referências ouro. Minha última experiência foi na TOCA, do Marcelino Freire, que recomendo para escritores e aspirantes e também para quem quer aprender a ser leitor. Era tão bom ter aquele dia feliz na semana.

Marcelino descascou com tal generosidade os originais de um infantojuvenil que eu guardava na gaveta que me veio a solução que eu buscava há pelo menos dois anos. Depois disso, passei seis meses reescrevendo a história (eu sou lenta) e o resultado é incomparável, mesmo que ainda precise de outras versões. Foi meu leitor ideal ideal.

King diria que eu “matei meus queridinhos”. Durante a escrita, podemos nos apegar a cada lixo que só atrapalha o que a gente quer contar. Mas estamos apegados e cegos. Um leitor ideal confiável faz toda a diferença. “Mate seus queridinhos, mate o seus queridinhos, mesmo que isso arrase seu coraçãozinho egocêntrico”. Não é maravilhosa essa definição para o processo de reescrita e edição?

É em Sobre escrita, que King diz “escrever é humano, editar é divino.” Nas oficinas eu também exercitei um pouco o “ser editada”, no que isso significa para a criação de ficção. Operou certos milagres. Só posso concordar sobre o “divino”. King não perde um certo ranço motivacional americano quando dá conselhos sobre a escrita, mas isso não compromete em nada a importância das memórias e dicas que compartilha. A leitura é valiosa. A oficina de escrita e leitura também pode ser.

[1] Meu livro saiu sem agradecimentos por incompetência minha e pelo momento nervoso da vida que eu estava vivendo na época da preparação do livro e lançamento.

Deixe um comentário